Espuma dos dias — Atlantic Council e Atlas Network: apagando os vestígios da mão que embala o berço. Por Julián Macías

Seleção e tradução de Francisco Tavares

12 m de leitura

 

Atlantic Council e Atlas Network: apagando os vestígios da mão que embala o berço

A opacidade em torno dos lobbies, grupos de reflexão e grupos de interesse que procuram influenciar as instituições torna difícil saber como são financiados e quem está por detrás deles.

 

 Por Julián Macías

Publicado por  em 26/12/2021 (original aqui)

 

Imagem de arquivo de um encontro entre o ex-presidente dos EUA Ronald Reagan e líderes mujahideen a 2 de Fevereiro de 1983. – Biblioteca Digital dos EUA

 

São muitos os lobbies, grupos de reflexão e grupos de interesse que giram em torno das principais decisões políticas. Todos eles procuram influenciar as instituições no sentido de desenvolver políticas de acordo com os seus interesses, ideologias ou valores. Mas estas esferas de influência, que não são acessíveis a todos os cidadãos, também não são transparentes aos olhos do eleitorado.

Nem sempre é fácil ter acesso à informação sobre questões tão básicas como quem são ou quem fornece o dinheiro para que estes grupos de pressão possam operar em apoio dos candidatos do seu interesse, golpes ou guerras para alcançar os seus objectivos económicos ou geopolíticos, e por vezes quando o rasto digital surge e aparece em investigações que podem lançar luz sobre estas questões, desaparece subitamente.

Neste artigo desenvolvo a análise sobre a remoção ou eliminação de conteúdos na web, na sequência da publicação de investigações sobre as organizações que financiam o Atlantic Council, as fundações da Rede Atlas que operam em campanhas digitais sujas em diferentes países e as reuniões de Reagan com os mujahideen que se tornaram virais após o acordo com os Talibãs e a retirada dos EUA do Afeganistão.

 

O Atlantic Council, moldando o futuro global

O nome Atlantic Council – um grupo de reflexão americano ligado à NATO – poderá não soar a ninguém que leia estas linhas, e talvez tão pouco conheçam o seu slogan “moldar juntos o futuro global”. Mas se eu vos disser quem é o seu presidente para a Europa e América Latina, talvez o quadro se torne um pouco mais claro; trata-se nada mais nada menos do que de José María Aznar.

Talvez o público em geral não possa indicar um único conselheiro estratégico deste grupo de reflexão atlântico com presença em todo o mundo, mas se lhes disser que um deles é Rafael Bardají – ex-assessor do governo de Aznar, membro da direção executiva do partido Vox e director de política internacional na FAES durante 11 anos – o quadro torna-se um pouco mais claro.

 

Então, qual é a falta de transparência?

O leitor poderia assumir que tais organizações são financiadas através de ações de consultoria; por exemplo, desde 2018, o Atlantic Council tem sido o principal parceiro no Facebook na luta contra a desinformação nos processos eleitorais. É surpreendente constatar que o máximo responsável pela protecção da verdade no Facebook durante as eleições na Europa e América Latina seja Aznar, que mentiu sobre armas de destruição massiva no Iraque para justificar uma guerra, ou que criou a maior notícia falsa da história de Espanha – que o atentado de Atocha em 2004 foi perpetrado pela ETA. Ou que tenha conselheiros como Bardají, colaborador há mais de 15 anos no Libertad Digital e que foi também colunista de La Gaceta; dois meios de comunicação social que são notórios pela sua falta de rigor jornalístico e pela divulgação regular de notícias falsas.

E de facto não, não é através deste tipo de colaboração que o Atlantic Council se financia; a família Koch é um dos seus maiores doadores, onde também encontramos grandes bancos como HSBC ou Bank Pekao, grandes grupos de investimento como Goldman Sachs ou System Capital Management, fundos de abutres como Blackstone ou Blackrock, empresas petrolíferas como a Abu Dhabi National Oil Company ou a Chevron, grandes empresas mineiras como a African Rainbow Minerals e grandes empresas tecnológicas como a Google, Twitter, Facebook ou Microsoft. Informação relevante que denunciei num tuit onde anexava a ligação que dava toda a informação, mas que actualmente o leva à página inicial. A partir de web.archive.org pode ver o seu historial.

Ao olhar para a lista interminável de grandes empresas que financiam o Atlantic Council, é surpreendente ver o Facebook no topo da lista, doando mais de um milhão de dólares. A relação entre as duas organizações vai para além do meramente financeiro. Ben Nimmo, até há pouco tempo chefe dos serviços de inteligência no Atlantic Council, ocupa a mesma posição no Facebook, e foi responsável pela eliminação de milhares de contas e páginas sandinistas dias antes das eleições na Nicarágua, alegando actividade não autêntica com contas falsas, um facto que o investigador Benjamin Norton demonstrou ser falso num artigo no The Grayzone, mostrando dezenas de militantes sandinistas reais que foram eliminados da rede, e que pouco depois fizeram o mesmo noutras plataformas que financiam este grupo de reflexão da NATO, como o Twitter ou o Youtube.

Esta acção faz lembrar uma versão 2.0 da intervenção dos Estados Unidos durante a administração de Ronald Reagan, que treinou, armou, financiou e abasteceu os Contras para derrubar a Revolução Sandinista, através da CIA e de uma rede de contas na Suíça, tudo apontando que o vice-presidente George Bush, ex-director do serviço de inteligência alguns anos antes, estava no comando da operação. Quando se descobriu que o dinheiro para financiar o grupo terrorista provinha da venda de armas ao Irão, estalou um escândalo político que levou a que a NED e a USAID recebessem a gestão de recursos para financiar organizações, meios de comunicação social e políticos que desestabilizam governos indesejáveis. No caso da Nicarágua, estes recursos contra o Sandinismo continuaram, a favor de uma alternativa política em torno da família Chamorro.

 

A Guerra do Afeganistão, uma fotografia e um oleoduto

Uma fotografia tirada na Casa Branca a 2 de Fevereiro de 1983 mostra Ronald Reagan com aqueles a que ele chamou “combatentes da liberdade”. Essa fotografia com os mujahideen tornou-se viral nas redes sociais quando os Talibãs assumiram o controlo de Cabul e do palácio presidencial sem resistência por parte dos exércitos e governos afegãos e norte-americanos. Durante alguns dias, a imagem foi apagada da livraria-museu de Ronald Reagan do governo dos EUA.

A tomada do Afeganistão pelos Taliban pôs em causa a gestão dos Estados Unidos, não só por abandonar o país e deixá-lo nas mãos de “terroristas”, mas também por financiar a origem dos mesmos terroristas. As reuniões de Reagan com os Freedom Fighters fizeram parte de um plano concebido pela CIA chamado Operação Ciclone, que ignorava os perigos para o mundo, cegos pela sua obsessão em exterminar a URSS e todos os vestígios de comunismo ou socialismo.

De acordo com documentos desclassificados, as operações para financiar, armar e treinar forças subversivas utilizando a jihad para exterminar os infiéis soviéticos não chegaram apenas até aos mujahideen para derrubar o governo comunista afegão e o exército da URSS, com a sua intervenção em defesa da interferência dos EUA. O financiamento de mais de 8 mil milhões de dólares serviu também para criar uma rede de madrassas ao longo da fronteira paquistanesa que receberam e treinaram na radicalização jihadista refugiados menores de idade da guerra no Afeganistão com textos concebidos e escritos na Universidade de Nebraska com financiamento da USAID de mais de 50 milhões de dólares.

As madrassas foram também frequentadas por milhares de radicais religiosos convocados pelo apelo internacional para travar uma guerra santa feito por Bin Laden, contratado pela CIA. Estes são a principal origem de grupos jihadistas como a Al-Qaeda, os Talibãs e o ISIS, e foram também financiados pela Arábia Saudita.

Isto faz-nos reflectir sobre o inexplicável: porque razão, se 15 dos 19 terroristas que cometeram os ataques de 11 de Setembro eram sauditas e nenhum era afegão ou iraquiano, os países invadidos foram o Afeganistão e o Iraque. Se acrescentarmos a isto que durante os atentados George Bush pai. se encontrava com o irmão mais velho de Osama Bin Laden numa reunião de investidores do Grupo Carlyle, uma empresa que multiplicou os seus lucros desde a data fatídica. Ou, ainda mais inexplicável, porque é que as únicas pessoas que sobrevoaram os Estados Unidos durante as 72 horas após os atentados foram 142 sauditas, entre os quais se encontravam 24 membros da família Bin Laden.

Além disso o Afeganistão é um enclave geoestratégico em termos militares, políticos e económicos. O chamado gasoduto TAPI – Turquemenistão, Afeganistão, Paquistão e Índia – foi planeado há décadas, o que permitiria evitar a dependência da Rússia para o fornecimento de gás natural. Este oleoduto foi planeado durante tanto tempo que George W. Bush ainda era governador do Texas quando uma delegação talibã se encontrou com ele e a UNOCAL -Union Oil Company of California – para concordar com a sua criação.

E este gasoduto é tão importante para os Estados Unidos que, após a invasão do Afeganistão, colocou como presidente um conselheiro da UNOCAL, Hamid Karzai, e vendo que, após quase 20 anos, nem um único quilómetro foi construído devido ao controlo territorial dos Talibãs, Donald Trump tomou medidas para libertar o líder Talibã, Abdul Ghani Baradar, com os esforços do seu secretário de Estado, Mike Pompeo, que também esteve presente nos acordos de paz de Doha, onde foi acordado libertar 5.000 Talibãs da prisão e a retirada das tropas norte-americanas, bem como a garantia da construção do TAPI.

Alguns meses mais tarde, as tropas norte-americanas retiraram-se enquanto o exército afegão desertava em massa, o presidente do país fugia e os talibãs avançavam sem resistência. Hoje, parece mais próxima a construção dos primeiros quilómetros do TAPI no Afeganistão sob protecção talibã.

 

As ligações da Atlas Network

Tal como com o Atlantic Council, o nome Atlas Network não dirá nada para muitos, mas se falarmos da FAES de Aznar, da Fundación Internacional para la Libertad de Mario Vargas Llosa, da Fundación Pensar de Mauricio Macri ou da Fundación Ecuador Libre de Guillermo Lasso, certamente soará a muitos. Todos eles pertencem a este conglomerado de grupos de reflexão ultra-liberais sediado na Virgínia.

Até este Outono era possível fazer um mapa completo das mais de 500 fundações que compõem a rede, mas também decidiram remover as suas pegadas apagando toda esta informação do seu website, limitando-se a mostrar um mapa indicando quantas fundações fazem parte desta rede em cada país, algo que podemos testemunhar novamente graças ao web.archive.org.

É provável que tenham decidido apagar a lista de fundações após a sucessão de escândalos como a publicação dos Pandora Papers atingindo em cheio a cúpula latino-americana, a nomeação de um dos seus membros como conselheiro da Generalitat apesar da falta de credenciais, o apoio a golpes de Estado na América Latina e a participação em campanhas de redes sociais através da utilização massiva de notícias falsas e de criação automática de contas via internet para tentar influenciar o discurso público.

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O autor: Julián Macías activista contra a desinformação, criador de Pandemia Digital e analista em Estratégias Digitais e Redes Sociais

 

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